A LENDA DA MOÇA BONITA
"Sua pele era aveludada e tinha a cor, os mistérios e a
quentura de uma noite estrelada do Seridó. Era uma jovem bonita, bonita de
arrepiar, a mais bela da região, a mais bela a povoar os sonhos de vaqueiros,
pescadores e caçadores de onças. Os pássaros da quase-manhã, quando o sol,
solene e solitário, desenhava mais uma aurora sertaneja com cheiro de capim
molhado, cantavam em sua homenagem. As cores alegres do dia pintavam de azul e
negrume aquela beleza nascida do inesperado vento barroco da saudade. Sim, sim.
Era uma bela e candente mulher. E tinha um hábito salutar: gostava de se banhar
nua, sozinha, nas primeiras horas da manhã, no poço do rio que ela tanto amava,
quando o inverno chegava: o rio de suas esperanças, o rio de suas mais doces
alegrias. O rio de seu santo protetor - São José por nome, São José por
devoção.
Mas um dia aconteceu o que não estava escrito no firmamento,
o que não estava escrito nas cantorias do sertão, o que não estava escrito nem
mesmo no Lunário Perpétuo: a nossa jovem, nua como sempre nas águas do poço
encantado, sentiu-se observada por olhos grávidos de volúpia e macheza. Tentou
cobrir suas vergonhas, inutilmente. Tentou cobrir suas belezuras. Inutilmente.
Os olhos eram maiores do que a sua inocência. Maiores do que a sua seridolência.
Era um domingo e Domingas era o seu nome. Desesperada, sentindo-se desonrada,
correu para um matagal e lá se encantou: tornou-se um pássaro mais azul do que
o azul mais brilhante, que voou para o horizonte em busca de seus sonhos. Nunca
mais foi vista, nunca mais foi visto. Os moradores da região, deslumbrados com
a história, nomearam o lugar de Poço da Moça Bonita.
Mais tarde, bem mais tarde, inícios do século XX da Era
Comum, surgiria a povoação, hoje cidade, de São José do Seridó. Ou, simplesmente,
São José da (Moça) Bonita. E todos os pássaros da região ainda cantam em
homenagem àquela bela e misteriosa mulher.
Que se encantou para sempre".
Segundo o Balaio Porreta, muito bem contada por sinal.
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